Tribunal anula multas por não pagamento de portagens

5 Dezembro, 2016

Seis contra-ordenações aplicadas pelas Finanças, por não pagamento de portagens relativas a auto-estradas com portagem real e a antigas Scut foram anuladas pelo Tribunal e poderão por em causa todo o sistema de cobrança.

O Jornal de Notícias noticiou que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga anulou seis multas aplicadas pelo Fisco a automobilistas que não pagaram portagens. Em seu entender, não basta identificar a matrícula do veículo, sendo necessário provar a identidade do condutor.

O tribunal considera ainda que a mera referência aos números dos artigos da lei violados não é suficiente. Em seu entender, a decisão é “completamente omissa” em relação à moldura contra-ordenacional abstratamente aplicável, o que impede o automobilista de “apreender a globalidade das circunstâncias que levaram à coima aplicada”, refere a publicação.

Francisco Almeida, porta-voz da Comissão de Utentes Contra as Portagens na A25, A23 e A24 considerou ainda que a decisão também questiona o sistema adoptado que, como disse, viola “o direito das pessoas à privacidade”.

Em declarações à agência Lusa, Francisco Almeida classificou a decisão judicial como “justa e razoável” e referiu que espera que a mesma “venha a ser generalizada” a todos os processos pendentes.

“A ânsia de fazer dinheiro foi de tal ordem que o governo decidiu nem sequer ter os espaços de cobrança e optou pelos pórticos que registam quando e onde o veículo passou como se as pessoas não tivessem direito a circular livremente”, apontou.

Francisco Almeida reiterou que a comissão de utentes continuará a reivindicar o fim das portagens, motivo pelo qual vê com bons olhos o eventual avanço de uma acção que exija a revogação da lei e que, de acordo com o JN de quinta-feira, está a ser preparada de forma conjunta entre juristas, entidades e associações.

O anúncio desta acção surge depois de o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ter declarado nula uma multa aplicada pelas Finanças a um automobilista daquele concelho que passou numa portagem sem pagar.

Coima de 62,10 € por não pagar taxa de 5,75 € foi emitida pelo Fisco, mas tribunal entendeu que a decisão do chefe das Finanças não foi clara.

Um automobilista de Braga viu o Tribunal Administrativo e Fiscal anular uma multa que lhe tinha sido aplicada pelo chefe das Finanças locais, por ter passado numa portagem sem pagar.

Em causa estava uma passagem na A3, entre Braga e Maia, no valor de 5,75 euros, a 5 de junho de 2013. O auto de contraordenação instaurado pelas Finanças obrigava-o a pagar 62,10 €, que ascendia a 76,50 € (já com as custas judiciais), mas o lesado recorreu e a decisão foi considerada “nula”. No documento consultado pelo CM lê-se que o condutor, José Silva, foi multado por “falta de pagamento de taxa de portagem”, em violação de dois artigos da lei, cujos números especifica, sem transcrever. Ora, para o juiz que analisou o recurso, a decisão do chefe das Finanças não cumpriu o estipulado no Regime Geral de Infrações Tributárias, desde logo a “notificação do arguido”, que para o tribunal constitui, por si só, “nulidade insuprível do processo contraordenacional”. A Justiça entende ainda que a decisão não contém a “descrição sumária dos factos”, não dando assim, ao lesado, a possibilidade de “apreender a globalidade das circunstâncias que levaram à coima”, limitando, em consequência, a possibilidade de se defender.

Em causa, desde logo, o facto de o auto de contra-ordenação não conter a descrição sumária dos factos, aludindo apenas a “falta de pagamento de taxa de portagem”, e à violação de dois artigos da lei.

O tribunal considera que a mera referência aos números dos artigos da lei violados não é suficiente, porque impõe ao infractor “o acesso aos diplomas legais invocados para, por via indirecta, se aperceber da factualidade que lhe é imputada”.

Para o tribunal, esta situação é “passível de constituir uma limitação” à defesa.

O Fisco está a ponderar recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que anulou multas aplicadas a automobilistas pelo não pagamento de portagens

A Autoridade Tributária não concorda com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que anulou seis multas a automobilistas que passaram nas auto-estradas sem pagar e pondera recorrer para tribunais superiores.

“Por não concordar com o teor da decisão, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) está a ponderar recorrer da mesma para os tribunais superiores”, disse fonte oficial do Ministério ao Negócios.

Se, depois de notificados pelas operadoras, os utentes não pagarem as taxas em falta, os processos são transmitidos à administração fiscal, que avança com a cobrança coerciva da taxa da portagem, dos custos administrativos, dos juros de mora e da coima aplicada.

Para os cofres do Estado e da AT entra apenas uma parte da coima cobrada no processo de contra-ordenação. Nesse caso, 40% da multa vai para o Estado, 35% ficam na AT, 10% são entregues ao IMT e 15% para as concessionárias.

Sempre que um utente passa numa portagem e não paga a taxa dentro do prazo, a operadora notifica o proprietário da viatura por carta registada com aviso de recepção. Se a taxa não for paga nesta primeira fase, que implica um custo administrativo de 2,21 euros, a concessionária compila os dados da infracção e remete-os à AT, que avança com a citação dos devedores.

A AT, para além de proceder à execução fiscal da taxa da portagem e do custo administrativo, instaura o processo de contra-ordenação, aplicando coimas (no caso dos particulares, o valor é dez vezes a taxa da portagem, sendo o mínimo de 25 euros).

Como cada taxa não paga dá origem a uma contra-ordenação autónoma, a cobrança coerciva tem gerado uma vaga de impugnações na justiça. Sentenças recentes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, conhecidas recentemente, anularam multas das portagens por vício formal, como a não identificação dos condutores, a falta de prova de notificação do utente e outros aspectos de incumprimento do Regime Geral das Infracções Tributárias.

285 queixas ao Provedor

Ao Provedor de Justiça chegaram, no ano passado, cerca de 285 queixas relacionadas com as portagens e, ao fim do primeiro mês deste ano, já foram remetidas 51 queixas a José Faria Costa. Entre os principais motivos de contestação, adiantou ao PÚBLICO o gabinete de imprensa do Provedor de Justiça, estão questões como a “legitimidade” da administração fiscal em fazer a cobrança coerciva, os valores das coimas e das custas, o envio das notificações para pagamento ou a prescrição do direito de cobrança das taxas.

A questão da desproporcionalidade das coimas, que tem sido levantada na praça pública por alguns advogados, levou as eurodeputadas Liliana Rodrigues (PS) e Marisa Matias (Bloco de Esquerda) a questionarem a Comissão Europeia sobre o tema no final de Janeiro, para saber se o regime sancionatório aplicado às transgressões nas portagens “é conforme ao quadro legal europeu”.

As duas eurodeputadas portuguesas consideram a penalização da contra-ordenação “manifestamente desproporcional face ao prejuízo sofrido pela concessionária” pelo não pagamento da portagem. “Um contribuinte com 20 passagens sem pagar, terá 20 processos de cobrança coerciva, 20 coimas de dez vezes o valor de cada passagem mais 20 taxas administrativas, e se quiser pedir a impugnação terá de apresentar 20 contestações, pagando 20 taxas de justiça”, exemplificam as eurodeputadas, salientando que “apenas o recurso aos tribunais suspende o agravamento das coimas e custos administrativos”.

Na sexta-feira, a Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) interpôs uma acção popular contra o Estado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, considerando que os métodos de cobrança das portagens das ex-Scut (sem custo para o utilizador) são ilegais e inconstitucionais. Ao PÚBLICO, o advogado Pedro Marinho Falcão, que representa a APDC, explicou que a acção visa obter “a declaração de ilegalidade das normas que obrigam ao pagamento de portagens registadas através de pórticos e das que fixam as coimas a quem não paga as portagens no tempo estabelecido”. As normas fazem “pender sobre o cidadão uma tarefa administrativa que não é da sua responsabilidade”, explica ainda. Se o tribunal der razão à acção, o Estado poderá ficar inibido de cobrar portagens nas ex-Scut até dotar as vias de equipamento para pagamento local.

“Também nestas vias que são ex-Scut o Estado tem de adequar a via e colocar portageiros”, acrescentou. A APDC coloca ainda em causa o valor das coimas, que é sempre associado ao maior valor de distância multiplicado por dez (pessoa singular) ou por 20 (se for uma empresa). “Viola o princípio da proporcionalidade garantido na Constituição”, disse.